Para você que ainda não está acompanhando a discussão sobre o PL 6764/2002, que tipifica Crimes contra o Estado Democrático de Direito propondo alterações ao Código Penal, aqui vão algumas considerações escritas antes da votação do mérito desse texto!
O Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN) vem acompanhando o assunto como integrante da Coalizão Direitos na Rede (CDR) desde que um requerimento de urgência para a votação desse projeto de lei foi apresentado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), com a proposta de revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN) e inclusão de tipos penais relacionados com a proteção do Estado Democrático de Direito no Código Penal.
Apesar de a discussão sobre a revogação da LSN ser de extrema importância pela herança nefasta que representa, as preocupações – desde o início – remetem à velocidade da apreciação da matéria sem um debate amplo e em uma conjuntura problemática como a que o Brasil enfrenta; sendo um grande receio, também, a ampliação da criminalização de movimentos sociais e da atuação da sociedade civil organizada.
Mesmo em meio a muitos alertas, como uma nota por organizações da sociedade civil com pedido de audiências públicas e reuniões com a relatora do substitutivo (https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/Carta_Votacao-do-PL-6764_2002_-Nao-ao-regime-de-urgencia.pdf), o regime de urgência – criticado em razão de outras matérias serem prioritárias – foi aprovado em 20 de abril de 2021.
Alguns dias antes da votação do requerimento de urgência, a CDR havia publicado um posicionamento contrário à sua aprovação (https://direitosnarede.org.br/2021/04/16/a-internet-e-as-propostas-de-lei-de-defesa-do-estado-democratico-de-direito/), indicando a precocidade do processo e destacando riscos de tipos penais associados a novas tecnologias. Ainda, o texto reforçava que qualquer lei cujo objetivo fosse a proteção do Estado Democrático de Direito não deveria ser formulada partindo do direito penal, mas de uma norma que reforçasse princípios democráticos.
É importante mencionar a relação entre o processo acelerado para votação do substitutivo e as discussões judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da incompatibilidade da Lei de Segurança Nacional com a Constituição Federal. Em uma das Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ajuizadas, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) afirmara que havia um histórico de não utilização da LSN após a redemocratização por sua associação à ditadura empresarial-civil-militar1; o que não parece ser um elemento que constranja o governo federal.
A despeito da repugnância quanto a esse posicionamento, não é novidade que o Presidente da República defende o regime de exceção implantado em 19642. Assim, durante os dois primeiros anos de seu governo, a Polícia Federal instaurou um número de procedimentos para apuração de supostos delitos contra a segurança nacional que supera em 285% o mesmo período das gestões Dilma Rousseff e Michel Temer3 – de acordo com levantamento pelo veículo de mídia O Estado de São Paulo. Um dos casos que associa o uso da LSN à perseguição política em pleno ano de 2021 é o do advogado Marcelo Feller – em razão de haver se referido ao presidente como “genocida”4 durante comentários em programa de emissora de televisão.
Então, sobre a conexão entre os debates conduzidos no STF e a votação do substitutivo ao PL 6764/2002, a deputada Margarete Coelho (que vem respondendo aos clamores de movimentos por meio da abertura para diálogos) comenta – em audiência pública da Comissão de Legislação Participativa de 23 de abril5 – que há uma preocupação de vácuo legislativo na revogação da LSN e que o STF apenas julgaria as ações após a promulgação de uma lei que garanta proteção ao Estado Democrático de Direito.
Parece um tanto curioso que uma lei que promova essa proteção reflita a lógica do direito penal do inimigo, como é o caso do texto que foi apresentado e passou a ser objeto de discussões – a despeito de não ter sido publicizado no portal da Câmara. Preocupações importantes quanto à imposição de altas penas, a previsão de crimes consumados pela tentativa, menção a condutas genéricas como “incitação” e “ameaça”, bem como a ausência de motivação quanto à desconstituição da ordem democrática como requisito à configuração de muitas das condutas são legítimas – especialmente na conjuntura pela qual passamos.
Ainda, com o avanço tecnológico, há o risco de as condutas previstas serem alargadas em face da comunicação digital, como é o caso do dispositivo que versa sobre a “comunicação enganosa em massa” – que remonta ao debate sobre o PL 2630/206. O grande receio é o da criminalização à liberdade de expressão (pela tipificação de disparos ou disseminação de conteúdos pela Internet sem ligação direta com defesa do estado democrático de direito) e, em coro à posição defendida pela CDR, nossa posição é por sua total supressão.
Para comentários mais detalhados a respeito de algumas preocupações externadas durante a audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara em 28 de abril, sugerimos sua gravação – que está disponível nas redes (https://www.youtube.com/watch?v=Y80ddDr_AFg).
Em sendo aprovado o mérito do texto da forma na forma de sua décima versão (ou mesmo com ajustes pontuais), é provável que a temática seja – inclusive – judicializada. Assim, reforça-se o pedido por alargamento do período para debates enquanto há tempo!
[1] http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=461753&ori=1
[2] https://epoca.globo.com/brasil/oito-vezes-em-que-bolsonaro-defendeu-golpe-de-64-24949762
[5] https://www.youtube.com/watch?v=_l3X4oZ-hXk
[6] Aqui, você encontra posicionamentos do LAPIN sobre o assunto: https://lapin.org.br/2020/08/19/nota-tecnica-pl-2-630-2020-sobre-a-inclusao-de-mecanismos-de-transparencia-algoritmica-no-pl-das-fake-news/