Preservando a Integridade Informacional: Desafios e Perspectivas no Combate às Notícias Falsas no Ambiente Digital

No cenário digital contemporâneo, as redes sociais há muito se apresentavam como plataformas neutras, onde a livre troca de informações era o lema principal. No entanto, esse verniz de neutralidade tem sido progressivamente desgastado pela disseminação de notícias falsas, desinformação e manipulação online. 

A complexidade desses fenômenos exige uma nova abordagem, especialmente à luz da crescente importância das interações digitais em moldar o destino das sociedades. 

Neste contexto, surge o conceito de integridade informacional, uma tentativa de preservar a acurácia, consistência e confiabilidade da informação em um ecossistema digital cada vez mais complexo e interligado. 

Esta discussão visa explorar tanto a evolução desse conceito quanto os desafios e críticas que ele enfrenta, destacando a necessidade de uma abordagem inclusiva e contextualizada para lidar com os problemas endêmicos da desinformação.

Início das notícias falsas no ambiente digital

Durante muito tempo, as redes sociais se beneficiaram de uma aura de neutralidade. Termos tecnológicos complexos muitas vezes afastaram tanto o cidadão comum quanto a academia do debate político e econômico que permeia qualquer ambiente inserido na sociedade. Críticos desse afastamento eram frequentemente vistos como opositores da evolução e da inovação.

A partir dessa infraestrutura, as redes construíram um ecossistema informacional – uma estrutura complexa composta por diversos agentes, como usuários, empresas provedoras de infraestrutura e produtores de conteúdo. Dada a crescente digitalização das interações sociais, esses agentes se tornaram primordiais para decisões relacionadas ao futuro de nações e Estados.

A partir dessa análise, conceitos como “desinformação”, “misinformation“, “junk news” e “fake news” foram desenvolvidos para descrever diferentes facetas do mesmo fenômeno: a estruturação de máquinas de mentiras virtuais, ou “lie machines”.

Diante desse cenário e da impossibilidade de manter a inércia diante da politização das ferramentas dessas redes, os analistas deste fenômeno buscaram rotular os efeitos práticos e orquestrados desse ambiente para que o público em geral pudesse finalmente visualizar e mensurar esse cenário.

Um novo paradigma para o estudo da desinformação

Devido à politização desses conceitos, sendo encampados por representantes do espectro político extremo, e da própria infraestrutura da informação, um novo conceito vem sendo cada vez mais empregado: o conceito de integridade informacional.

Esse conceito, que tem suas origens em sistemas corporativos onde se entendia como a segurança da informação e a proteção de dados no ambiente empresarial, foi apresentado inicialmente como a acurácia, consistência e confiabilidade do conteúdo, processos e sistemas da informação, a fim de manter um ecossistema informacional saudável.

Diante desse conceito, fenômenos ligados a notícias falsas em suas diversas facetas são entendidos como poluição informacional, sendo definidos como conteúdo comprovadamente falso, enganoso e manipulado online e offline, que é criado, produzido e divulgado intencionalmente ou não, e que tem o potencial de causar danos.

Essa definição de integridade informacional, a partir de 2023, foi adotada pelas Nações Unidas em seu Policy Brief 8 e estabeleceu um dos pilares para o seu “Código de Conduta das Nações Unidas para Integridade da Informação em Plataformas Digitais” o compromisso com a integridade da informação como um dos seus princípios.

De acordo com esse princípio, todas as nações aderentes a esse código devem “abster-se de usar, apoiar ou ampliar a informação falsa e o discurso de ódio para qualquer finalidade, inclusive para alcançar objetivos políticos, militares ou outros objetivos estratégicos, incitar a violência, minar os processos democráticos ou atingir populações civis, grupos vulneráveis, comunidades ou indivíduos”.

No âmbito nacional, o Brasil apoiou diversas iniciativas em prol do fortalecimento da integridade informacional em âmbito global, como a subscrição à Declaração Global sobre Integridade da Informação Online, o apoio ao Fórum para Informação e Democracia e o próprio Código de Conduta para a Integridade da Informação em Plataformas Digitais da ONU.

Problemas com a conceituação de integridade informacional

Apesar do seu evidente ganho de importância e visibilidade, a utilização do conceito de integridade informacional não está livre de críticas.

Esse conceito, assim como diversos temas relacionados à disseminação de notícias falsas no ambiente digital, tem suas origens no contexto do Norte global. Buscas incessantes pela tentativa de transplantes argumentativos advindos de realidades alheias à encontrada no Sul global podem trazer consigo pontos cegos inegáveis vistos no contexto do Sul global.

De acordo com a autora Nina Santos, a discussão sobre integridade informacional no contexto norte-americano é muito focada na influência de nações estrangeiras em seu ambiente político, sobretudo advindas de países fora do eixo político do Ocidente. Apesar de esse tema ser valioso para o ambiente político nacional, seria um erro assumir diretamente que esta é a maior ameaça ao ecossistema informacional brasileiro.

Ainda de acordo com a autora, a necessidade de pensar em um conceito próprio de integridade informacional alinhado com o cenário nacional e com o Sul global é fundamental para que os problemas endêmicos desse ambiente não sofram com a administração de medicamentos inadequados.

Conclusão

À medida que o mundo digital continua a se expandir e evoluir, a preservação da integridade informacional emerge como uma prioridade crucial. No entanto, essa tarefa não é simples.

A complexidade dos fenômenos de desinformação e a diversidade de contextos globais exigem uma abordagem multifacetada e adaptativa. Embora o conceito de integridade informacional represente um passo importante na direção certa, é essencial reconhecer suas limitações e buscar constantemente refiná-lo para refletir as realidades e necessidades locais.

Somente com um esforço colaborativo e inclusivo, que envolva governos, sociedade civil, empresas de tecnologia e instituições internacionais, poderemos enfrentar eficazmente os desafios impostos pela disseminação de notícias falsas e garantir um ambiente informacional saudável e democrático para todos.

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