Plataforma multi-interativa com ícones hexagonais representando titulares de dados pessoais, cibersegurança, GDPR, identidade digital, entre outros elementos.

CPDP 2019: Democracia e o mundo digital

por Thiago Moraes

Banner da CPDP de 2019, indicando data e edição do evento
Fotografia do público da conferência, vista a partir do palco de painelistas. Pessoas sentadas em cadeiras assistindo a painelistas

Nesta semana ocorreu em Bruxelas a 12ª edição da CPDP — Computers, Privacy and Data Protection Conference, que reúne representantes multissetoriais para debater os tópicos mais atuais na área de privacidade e proteção de dados pessoais. O tema deste ano foi Proteção de Dados e Democracia, dando espaço para discussões de como a economia digital está transformando nossa sociedade nas esferas política e social.
Dentre os principais tópicos abordados, estava o do uso de inteligência artificial e algoritmos computacionais para construção de sistemas cada vez mais especializados em reconhecimento facial e microssegmentação (micro-targeting), que são usados não apenas para o desbloqueio de smartphones, mas também para rastreamento de indivíduos por forças policiais e análises de comportamento de usuário por empresas.

Imagem ilustrativa sobre reconhecimento facial

Esses avanços, enquanto impressionantes, são também um pouco assustadores, pois nos levam a pensar que “forças maiores” podem estar manipulando as decisões de indivíduos comuns. No contexto brasileiro, temos o caso do uso de câmeras de reconhecimento facial pelo Metrô de São Paulo, que teve sua utilização proibida pela justiça paulista por não estar clara a finalidade para qual as imagens eram captadas. Há também indícios que o legislativo possa apresentar ainda esse ano um projeto de lei sobre o tema, tendo em vista a recente visita de parlamentares brasileiros à China para conhecer a tecnologia implementada por este governo. Relações transfronteiriças também foram discussões recorrentes no evento, com destaque para painéis sobre o Cloud Act, lei estadunidense aprovada em 2018 que facilita a interferência de suas agências investigativas na coleta de evidências, ainda quando os dados estejam localizados em outros territórios. O alcance extraterritorial de legislações como essa parece colocar em xeque o modelo regulatório de proteção de dados europeu, recentemente reforçado pela GDPR — General Data Protection Regulation, e a solução para esse embate vai além da análise jurídica, atingindo a esfera política das relações UE-EUA.

Alguns painéis também deram espaço para discutir os modelos regulatórios do Atlântico Sul, onde representantes de nações africanas e latino-americanas apresentaram as qualidades e deficiências das estruturas de proteção de dados em seus Estados. Aqui cabe destaque para um painel coordenado por Danilo Doneda, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), em parceria com a Comissão Europeia, em que foi apresentado o modelo de Padrões de Proteção de Dados Ibero-americano e quais os desafios para que essa proposta promova uma convergência regional e global. Doneda também apresentou um breve histórico do marco regulatório brasileiro e os riscos à efetividade da Lei Geral de Proteção de Dados — LGPD, em virtude das alterações trazidas pela MP nº 869/2018.

Para encerrar o evento, discutiu-se o tema do Capitalismo de Vigilância”, termo popularizado pela acadêmica Shoshana Zuboff, da Universidade de Harvard, e que traz à tona traços de uma distopia orwelliana que parece espreitar as democracias do século XXI. Este painel também contou com representantes de importantes entidades governamentais e empresariais, como membros do European Data Protection Supervisor — EDPS, a autoridade de proteção de dados da União Europeia, e da Apple, a Gigante da Internet que tem promovido privacidade como um de seus valores-chave, desde meados de 2014.


Privacidade no novo milênio tornou-se um bem econômico e social e algoritmos e plataformas digitais são ferramentas poderosas na manipulação de dados pessoais. Esses mecanismos trazem muitas facilidades para a sociedade da informação, mas como todo utensílio, estão sujeitos a abusos. Para garantir o respeito à pluralidade de vozes e proteção de sujeitos, salvaguardas são necessárias e instituições democráticas devem realizar uma supervisão reforçada. Apenas assim a democracia conseguirá sobreviver ao século XXI. A lua de mel com a dataficação acabou.

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