por Isabela Rosal e Gabriel Souto
Tendo em vista o iminente lançamento do sistema de pagamentos totalmente digital Pix, idealizado pelo Banco Central, o LAPIN realizou o webinário “Pix – entre inovação financeira e a privacidade de seus usuários” no 19 de outubro de 2020.
Integraram este painel Letícia Becker, gerente jurídica de pagamentos, privacidade e segurança na 99, Raphael Sodré Cittadino, sócio-fundador do escritório Cittadino, Campos & Antonioli Advogados Associados, Carlos Goettenauer, assessor da Diretoria Jurídica do Banco do Brasil, e Breno Lobo, chefe de Subunidade no Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do Banco Central do Brasil, parte da coordenação do projeto de implantação do Pix. Nosso diretor acadêmico, Gabriel Souto, moderou o debate.
O foco principal do evento foi entender como será o funcionamento desse novo sistema de pagamentos e os impactos para a proteção de dados e a privacidade dos seus usuários.
Este relatório resume as apresentações e discussões, reproduzindo as ideias e opiniões dos participantes deste evento. Eles não representam necessariamente as opiniões do LAPIN. Para assistir ao webinário na íntegra, clique aqui.
Breno Lobo iniciou o seminário tratando de dois pontos principais: a infraestrutura do Pix dentro do Banco Central a fim de garantir a segurança da informação; e consequências econômicas desse sistema de pagamento.
Primeiramente, esclareceu que todas as operações são rastreáveis, uma vez que é um sistema totalmente digitalizado. Além disso, existe o registro das chaves Pix, o qual está vinculado ao CPF do titular, o Banco do usuário e todas as informações referentes à sua conta. É justamente esse atalho que permitirá facilitar o processo de transferência.
Para possibilitar o funcionamento do Pix, contam com dois sistemas independentes – um relacionado às transações e outro às informações do usuário – no ambiente da Rede do Sistema Financeiro Nacional, apartado da internet. Todas as informações são criptografadas e seguem as regras da LGPD e do sigilo bancário.
O painelista apontou cinco consequências positivas do Pix para a economia brasileira:
1. Facilitar e auxiliar no processo de eletronização dos meios de pagamento no Brasil;
2. Aumento da competição no sistema financeiro;
3. Aumento de competição no próprio mercado de meios de pagamento de varejo;
4. Inclusão financeira;
5. Aumento de eficiência da economia.
Por fim, Breno explicou a celeridade e a diminuição do valor de taxas que o Pix pode trazer para a economia brasileira. A maior parte dos pagamentos ainda é feita por papel moeda, um meio pouco eficiente. Com a instantaneidade do pagamento, o Pix busca equilibrar esse cenário, além de possibilitar que processos como o recebimento de produtos por portos brasileiros sejam simplificados.
Letícia Becker se propôs a discutir a interseção entre a Resolução nº 01/2020 do Banco Central, que instituiu o arranjo de pagamentos Pix, e a LGPD além de retratar os desafios práticos de um marketplace.
A especialista ressaltou as possíveis eficiências oriundas do Pix, incluindo o possível lançamento da tecnologia NFC no sistema. Dessa forma, é essencial que os marketplaces agreguem o sistema dentro do seu modelo de negócios a fim de que seja garantida a segurança das transações e informações, promovendo-se, assim, uma experiência satisfatória para o usuário.
Relembrou que o Banco Central já pôde definir que cada instituição participante do Pix deverá ser responsável pela validação da identidade dos usuários e devem adotar os critérios de segurança mínimos previstos para operações bancárias, como, por exemplo, a Resolução 4658 e a Circular 3909 do Banco Central, assim como outras normas de proteção).
O primeiro desafio apresentado pela painelista foi o fato das chaves do Pix poderem ser consideradas como dados pessoais, o que implica, conforme o art. 57 da Resolução do Pix, que a base legal adotada para o tratamento desses dados é o consentimento, em conformidade com a LGPD. Tendo em vista que eventualmente será necessário coletar informações adicionais para a autenticação dos usuários, como imagens ou biometria, deve-se pensar nas bases legais para esses tratamentos específicos.Como solução para garantir a privacidade, mencionou a chave EVP (Endereço Virtual de Pagamento) do Banco Central. Visto que a chave EVP é gerada na hora do pagamento, acredita que será a mais utilizada pelos marketplaces.
Os modelos de marketplaces que atuam como “white label”, por sua vez, também constituem um desafio, sendo necessário desenvolver as soluções operacionais já aceitas pelo Banco Central junto ao funcionamento do aplicativo. Contudo, deve-se atentar para questões de responsabilidade, porque vai além do usuário direto do Pix, alcançando quem fornece essas soluções de pagamento. A painelista chegou a apresentar como possível solução a elaboração de previsões contratuais.
Questionou se ao definir a base legal do consentimento, o Banco Central atua como controlador dos dados, demonstrando que existem muitos debates frente à LGPD em termos de responsabilização, apesar dos ótimos esforços do BaCen de trazer várias respostas nos manuais e regulamentos. Dessa forma, a ANPD pode, inclusive, utilizar-se dessa expertise para a sua atuação.
Por fim, a painelista relembrou que o BC se inspirou em modelos internacionais para a formulação do Pix. Destacou o modelo chinês, porque a 99 faz parte de um grupo econômico chinês que já está desenvolvendo possibilidades de pagamento com moedas digitais. O Banco Popular da China, por exemplo, já demonstra preocupações com a segurança da informação.
Em seguida, o advogado Raphael Cittadino ressaltou que o Pix é uma plataforma disruptiva, gratuita para as pessoas físicas e com valores irrisórios para as transações. Como mencionado pelo painelista Breno, é uma novidade, um meio concentrado de pagamento, com evidentes potenciais benefícios.
Contudo, apresentou alguns dilemas desse sistema: Seria a União provedora de serviços bancários com um possível monopólio nos meios de pagamento? A privacidade estará garantida? De que forma o BC irá lidar com vazamentos? Além disso, seria o sistema suficientemente eficiente?
Sobre o primeiro questionamento, esclareceu que foi uma escolha do BC estabelecer e criar concentradamente a plataforma necessária para que os agentes do mercado possam se utilizar desse serviço, o que poderia ter sido feito de outra maneira. Dessa forma, não parece existir formas de concorrência para o modelo Pix.
Em relação à privacidade dos usuários, destacou que, apesar da existência do sigilo bancário, o Brasil não tem mecanismos eficientes e consolidados de proteção e de punição para vazamentos de informações.
Sobre o último dilema, afirmou que o Pix é uma plataforma eletrônica, dependente de infraestrutura tecnológica. Sendo assim, o BC deve estar preparado para esse fluxo, inclusive no caso das expectativas de utilização forem ultrapassadas.
Também mencionou pesquisa do Banco Central do Brasil (2018) que demonstra que o dinheiro em espécie é o método de pagamento mais difundido para fazer compras ou pagar contas (96% dos respondentes) e também o utilizado com maior frequência (60%), enquanto o cartão de crédito é utilizado por somente 52% da população, sendo também o segundo meio de pagamento mais frequentemente utilizado pela população (22%). Cittadino finalizou sua fala mencionando possíveis desafios para o Pix, como o funcionamento sem intercorrências; o não prejuízo à economia das regiões dependentes de dinheiro em espécie; o respeito ao sigilo dos usuários, e a prevenção de fraudes.
O pesquisador Carlos Goettenauer opina que o Pix sinaliza uma tentativa do BaCen de integrar as big techs e o sistema financeiro brasileiro. No caso do Pix, o pagamento é colocado no modelo de “banco como serviço” – mencionado pela painelista Letícia como “white label” – possibilitando pagamentos sem atritos e interferências bancárias.
Apesar dos claros benefícios oriundos dessa tecnologia, o doutorando apresentou algumas ressalvas, porque qualquer bigtech dentro do sistema financeiro merece uma atenção especial. Essas empresas adotam modelos de negócios muito distribuídos, atuando em diversas áreas no mercado de plataformas, buscando um contínuo aumento da rede. Isso tende à formação de monopólios informacionais, fator quente à LGPD.
Outro fator preocupante é a possibilidade de crescimento exponencial dessas empresas. É necessário atuar mantendo o equilíbrio e a concorrência nos mercados envolvidos. Essas questões devem ser tratadas por meio de mecanismos de regulação financeira e digital. Ressaltou que a preocupação regulatória vai além da proteção dos dados pessoais, mas da utilização de todos os dados, abrangendo, também, a segurança financeira e cibernética. O sistema financeiro funciona a partir da agregação de dados difusos e de mecanismos de inteligência artificial e big data, não sendo completamente atendido pela LGPD, que regula muito melhor o funcionamento das grandes empresas de tecnologia.
Apesar disso, Carlos relembrou que o Pix não surge em um vácuo regulatório, já que existem regulamentos sobre segurança cibernética aplicáveis aos integrantes do sistema. Ele terminou sua exposição colocando que é preciso receber com cautela o objetivo do PIX de promover concorrência, já que o que se tem visto nos mercados impactados pela disrupção tecnológica é o movimento inverso, i.é, a concentração concorrencial e a consolidação do poder econômico de poucos atores. Um possível efeito colateral, assim, seria a concentração de pagamentos em outros agentes que não os bancários e as instituições econômicas.
Considerações Finais
Após responder questões levantadas pelos espectadores, os painelistas apresentaram suas considerações finais. Destacou-se a necessidade do desenvolvimento de novos meios de pagamento, principalmente digitalizados, tal qual o Pix. Além disso, ressaltou-se a necessidade de dar continuidade à atenção de que questões envolvendo privacidade e segurança. Os especialistas levantaram a importância desse debate para garantir a eficiência e a democratização do sistema, elogiando as diferentes abordagens e enfoques dados pelos participantes.