A autodeterminação informativa é um dos fundamentos da disciplina de proteção de dados pessoais, de acordo com o art. 2º, inciso II, da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18 – LGPD). Contudo, a norma brasileira não traz a definição desse conceito, que surgiu na Alemanha e seguiu se desenvolvendo tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Por isso, é necessário visitar sua origem e evolução para compreender como essa previsão legal afeta o direito à proteção de dados pessoais.
O direito à autodeterminação informativa foi reconhecido na decisão do caso referente ao recenseamento da população1, em 1983, proferida pelo Tribunal Constitucional Alemão, após o desenvolvimento do tema ao longo de décadas nas cortes do país. Através dessa decisão, o tratamento não transparente de dados pessoais foi repudiado a partir da ideia da dignidade da pessoa humana e do livre desenvolvimento da personalidade. Naquela oportunidade, a Corte constitucional entendeu que, principalmente pela quantidade de informações coletadas, a iniciativa de recenseamento poderia possibilitar a criação de perfis completos da personalidade dos alemães, comprometendo a própria autonomia das pessoas. Então, esclareceu-se que o tratamento de dados deve ocorrer somente quando há uma justificativa legal a partir da finalidade do processamento2.
No Brasil, a autodeterminação informativa foi um dos pontos amplamente debatidos nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6387, 6388, 6389, 6393, 6390. No acórdão referente, os julgadores definiram que a privacidade só poderá ser mitigada frente à justificativa legítima. Além disso, o Ministro Luiz Fux entendeu “que a proteção de dados pessoais e autodeterminação informativa são direitos fundamentais autônomos extraídos da garantia da inviolabilidade da intimidade e da vida privada”. Dessa forma, a jurisprudência brasileira reconheceu a autodeterminação informativa como direito fundamental, ressaltando que não existem dados insignificantes no contexto atual de automatização de processos.
O direito à autodeterminação informativa, na era do big data, é compreendido como forma de garantir o controle do cidadão sobre suas próprias informações3. Ou seja, ele certifica que o titular tenha domínio sobre os seus dados pessoais, ainda que o tratamento dessas informações seja legítimo. O seu reconhecimento assegura que todos os dados pessoais sejam protegidos, indo além do conceito de intimidade, trazendo a privacidade para o âmbito procedimental.
O seu papel como fundamento do tema proteção de dados no Brasil fica evidenciado em diversas previsões da LGPD. Os direitos do titular, previstos no art. 18 da LGPD, demonstram a aplicação concreta da autodeterminação informativa ao preverem instrumentos que garantem o controle dos dados pessoais pelo titular, como a correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados (art. 18, inciso III) ou o direito à portabilidade de dados a outro fornecedor (inciso V). Ele é mais amplo do que o conceito de consentimento4, mas pode ser vislumbrado no direito à revogação do consentimento (inciso VIII) ou até na avaliação da legalidade do consentimento, uma vez que só é válido um consentimento livre, informado e inequívoco.
Sua aplicação, como a dos demais direitos fundamentais, não é absoluta. Por isso, é possível o tratamento de dados sem o consentimento do titular, mas desde que haja uma base legal para tanto. Além disso, os princípios aplicáveis à matéria também possibilitam maior controle sobre os dados por parte dos titulares, como a garantia de que somente os dados necessários para determinada finalidade serão tratados.
Ressalta-se que o domínio sobre os dados depende, também, da atuação direta do titular, seja por meio de requisições para exercício dos direitos mencionados, ou por denúncias à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). A ideia é assegurar o direito à privacidade a partir dos modelos adotados atualmente pela sociedade da informação, empoderando o titular e garantindo o controle de seus próprios dados.
REFERÊNCIAS
BIONI, Bruno. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. 1 ed. 2 Reimp. Rio de Janeiro, Forense, 2019
LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2011. Pp. 67-68.
MENDES, Laura S. F. Autodeterminação informativa: a história de um conceito. Rev. de Ciências Jurídicas Pensar, v. 25, n. 4, 2020. Disponível em: <https://periodicos.unifor.br/rpen/article/view/10828/pdf>. Acesso em 22 abr 2021.
[1] A iniciativa de recenseamento pelo poder público alemão envolvia coleta de inúmeras informações dos cidadãos, incluindo onde moravam e quem habitava o mesmo local. BVerfGE 65, 1, Recenseamento.
[2] MENDES, Laura S. F. Autodeterminação informativa: a história de um conceito. Rev. de Ciências Jurídicas Pensar, v. 25, n. 4, 2020. Disponível em: <https://periodicos.unifor.br/rpen/article/view/10828/pdf>. Acesso em 22 abr 2021.
[3] LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2011. Pp. 67-68.
[4] BIONI, Bruno. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. 1 ed. 2 Reimp. Rio de Janeiro, Forense, 2019.