Autodeterminação informativa: como esse direito surgiu e como ele me afeta?

Isabela Maria
Cynthia Picolo

A autodeterminação informativa é um dos fundamentos da disciplina de proteção de dados pessoais, de acordo com o art. 2º, inciso II, da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18 – LGPD). Contudo, a norma brasileira não traz a definição desse conceito, que surgiu na Alemanha e seguiu se desenvolvendo tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Por isso, é necessário visitar sua origem e evolução  para compreender como essa previsão legal afeta o direito à proteção de dados pessoais.

O direito à autodeterminação informativa foi reconhecido na decisão do caso referente ao recenseamento da população1, em 1983, proferida pelo Tribunal Constitucional Alemão, após o desenvolvimento do tema ao longo de décadas nas cortes do país. Através dessa decisão, o tratamento não transparente de dados pessoais foi repudiado a partir da ideia da dignidade da pessoa humana e do livre desenvolvimento da personalidade. Naquela oportunidade, a Corte constitucional entendeu que, principalmente pela quantidade de informações coletadas, a iniciativa de recenseamento poderia possibilitar a criação de perfis completos da personalidade dos alemães, comprometendo a própria autonomia das pessoas. Então, esclareceu-se que o tratamento de dados deve ocorrer somente quando há uma justificativa legal a partir da finalidade do processamento2.

No Brasil, a autodeterminação informativa foi um dos pontos amplamente debatidos nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6387, 6388, 6389, 6393, 6390. No acórdão referente, os julgadores definiram que a privacidade só poderá ser mitigada frente à justificativa legítima. Além disso, o Ministro Luiz Fux entendeu “que a proteção de dados pessoais e autodeterminação informativa são direitos fundamentais autônomos extraídos da garantia da inviolabilidade da intimidade e da vida privada”. Dessa forma, a jurisprudência brasileira reconheceu a autodeterminação informativa como direito fundamental, ressaltando que não existem dados insignificantes no contexto atual de automatização de processos.

O direito à autodeterminação informativa, na era do big data, é compreendido como forma de garantir o controle do cidadão sobre suas próprias informações3. Ou seja, ele certifica que o titular tenha domínio sobre os seus dados pessoais, ainda que o tratamento dessas informações seja legítimo. O seu reconhecimento assegura que todos os dados pessoais sejam protegidos, indo além do conceito de intimidade, trazendo a privacidade para o âmbito procedimental.

O seu papel como fundamento do tema proteção de dados no Brasil fica evidenciado em diversas previsões da LGPD. Os direitos do titular, previstos no art. 18 da LGPD, demonstram a aplicação concreta da autodeterminação informativa ao preverem instrumentos que garantem o controle dos dados pessoais pelo titular, como a correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados (art. 18, inciso III) ou o direito à portabilidade de dados a outro fornecedor (inciso V). Ele é mais amplo do que o conceito de consentimento4, mas pode ser vislumbrado no direito à revogação do consentimento (inciso VIII) ou até na avaliação da legalidade do consentimento, uma vez que só é válido um consentimento livre, informado e inequívoco.

Sua aplicação, como a dos demais direitos fundamentais, não é absoluta. Por isso, é possível o tratamento de dados sem o consentimento do titular, mas desde que haja uma base legal para tanto. Além disso, os princípios aplicáveis à matéria também possibilitam maior controle sobre os dados por parte dos titulares, como a garantia de que somente os dados necessários para determinada finalidade serão tratados.

Ressalta-se que o domínio sobre os dados depende, também, da atuação direta do titular, seja por meio de requisições para exercício dos direitos mencionados, ou por denúncias à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). A ideia é assegurar o direito à privacidade a partir dos modelos adotados atualmente pela sociedade da informação, empoderando o titular e garantindo o controle de seus próprios dados.

REFERÊNCIAS

BIONI, Bruno. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. 1 ed. 2 Reimp. Rio de Janeiro, Forense, 2019

LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2011. Pp. 67-68.

MENDES, Laura S. F. Autodeterminação informativa: a história de um conceito. Rev. de Ciências Jurídicas Pensar, v. 25, n. 4, 2020. Disponível em: <https://periodicos.unifor.br/rpen/article/view/10828/pdf>. Acesso em 22 abr 2021.

[1] A iniciativa de recenseamento pelo poder público alemão envolvia coleta de inúmeras informações dos cidadãos, incluindo onde moravam e quem habitava o mesmo local. BVerfGE 65, 1, Recenseamento.

[2] MENDES, Laura S. F. Autodeterminação informativa: a história de um conceito. Rev. de Ciências Jurídicas Pensar, v. 25, n. 4, 2020. Disponível em: <https://periodicos.unifor.br/rpen/article/view/10828/pdf>. Acesso em 22 abr 2021.

[3] LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2011. Pp. 67-68.

[4] BIONI, Bruno. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. 1 ed. 2 Reimp. Rio de Janeiro, Forense, 2019.

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A proteção de dados pessoais tem origem no direito à privacidade, tema especificamente debatido na obra The Right to Privacy por Samuel Warren e Louis Brandeis, publicado em 1890 pela revista Harvard Law Review, a qual começou a delinear tal direito a partir de uma percepção do “direito de estar sozinho” (WARREN; BRANDEIS, 1890, p. 195). Esse conceito de direito à privacidade foi positivado no artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que consagrou o direito à vida privada. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) também bebeu dessa fonte e reconheceu tal direito no seu art. 5º, X.