LGPD Penal e Processo penal: como compatibilizar?

Henrique Bawden

O Anteprojeto da Lei de Proteção de Dados para Segurança Pública e Investigação Criminal, também já chamada de LGPD Penal, terá sérias repercussões dentro dos órgãos de segurança pública como um todo, devendo impactar todo o seu modo de funcionamento. 

Contudo, um ponto interessante surge a partir da leitura da lei: não há uma declaração explícita se a LGPD Penal se aplicará aos processos penais. Uma possível aplicabilidade da LGPD Penal aos processos judiciais penais terá consequências não previstas pelo legislador, podendo criar situações que deverão ser elucidadas pela doutrina e tribunais.

Acerca da aplicabilidade, podemos ver que a leitura da lei mostra em alguns pontos que o Anteprojeto se propõe a regular não só a fase pré-processual, mas também o processo judicial. Exemplo claro disto é o art. 39, §2º, que fala em hipótese que a lei irá se aplicar dentro do processo judicial, além de outros exemplos, como o art. 21 ao utilizar o termo “testemunha”, que dentro do Direito Processual Penal possui uma conotação técnica bem específica .

Contudo, ao definir os termos “autoridade competente”, “atividade de segurança pública” e “atividade de persecução penal”, previstos no art. 5º, incisos XX, XXI, XXII, o Anteprojeto não deixa claro se ele se aplicaria aos tratamentos feitos pelo judiciário.  Tal interpretação deve ser balizada pela vigência do sistema acusatório dentro do sistema penal e processual penal brasileiro, no qual o juiz não realiza esse tipo de trabalho investigativo, possuindo um papel apenas de julgador na causa. 

Logo, não se pode falar que o judiciário não realiza “investigação, apuração, persecução e repressão de infrações penais”, tal como descrito nos incisos acima, sendo isto o trabalho das polícias e do Ministério Público. O que pode ser argumentado é que ele se mostra o competente pela execução das penas diante do previsto nos referidos incisos e no art. 65 da Lei de Execuções Penais, contudo, criaria uma situação esdrúxula onde a LGPD Penal se aplicaria apenas em sede de execução penal no âmbito judiciário e não durante o processo judicial.

Caso se assuma que a LGPD Penal se aplica aos processos judiciais penais, surgem uma série de questões. Uma delas é a relação entre o acesso de documentos produzidos em procedimentos de investigação e os direitos dos titulares previstos no art. 19 do Anteprojeto. O inquérito é sigiloso por força do art. 20 do Código de Processo Penal, podendo os advogados terem acesso ao material referente às diligências já documentadas, vide a Súmula Vinculante 14. 

Ao mesmo tempo, o art. 20, inciso I da LGPD Penal diz que a prestação de informação pode ser adiada, limitada ou recusada caso possa causar prejuízos em investigações. Resta a dúvida de como esse inciso será lido: pode ser tanto entendido como um reforço ao que diz a Súmula Vinculante 14, dando mais um caminho para o indivíduo saber que está sendo investigado, ou como uma maneira de evitar o acesso à informações já documentadas, se utilizando da redação aberta do inciso.

Também será um terreno fértil para discussões as intersecções entre as provas no processo penal e a LGPD Penal. Uma das mais importantes que se mostram é se a ilegalidade de um tratamento de dados pessoais terá reflexo dentro do processo penal, podendo gerar a nulidade de provas, diante da amplitude da redação do art. 157 do Código de Processo Penal.

Outra questão importante envolve a produção de provas no âmbito do processo penal e o uso de ferramentas que realizam tratamentos de forma automatizada. Todo tipo de tratamento de prova no processo penal que use esse tipo de ferramenta parece, em primeiro momento, de que dependerá de uma avaliação pelo CNJ para que possa continuar a ser utilizado. E em alguns casos, dependerá até mesmo da elaboração de lei, conforme dita o art. 24 da LGPD Penal. 

Além disto, o §4º do artigo 24 da LGPD Penal fala que será vedada a adoção de qualquer medida coercitiva ou restritiva de direitos com base unicamente em decisões automatizadas. Como que isso conversará com a doutrina do livre convencimento motivado e o art. 155 do Código de Processo Penal? 

Essas e muitas outras questões ainda irão surgir com a tramitação e com possível vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Para complexificar mais a situação, temos ainda o PL 8.045/10, que traz o novo Código de Processo Penal, com capítulo específico sobre Provas Digitais, que criará ainda mais situações que irão necessitar de reflexão por parte da doutrina e dos tribunais.

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