Reconhecimento facial a serviço de Guardas Municipais: Uma tendência no contexto brasileiro

Pedro Diogo

O uso cada vez mais amplo de tecnologias de reconhecimento facial é uma tendência da política de segurança pública no Brasil e é testado no país pelo menos desde 2011. Em segurança pública, a tecnologia é utilizada sobretudo para identificar pessoas foragidas da justiça ou desaparecidos.1 As problemáticas do uso de reconhecimento facial são fruto de intensas discussões, em especial no que tange a injustiças algorítmicas por vieses de raça, gênero e sexualidade.

No que tange a raça, a problemática ganha destaque pelo contexto do sistema penal brasileiro ter um papel histórico de promotor de violências racialmente estruturadas, com a população negra sendo a grande destinatária do encarceramento e da brutalidade policial.2 A preocupação se torna a possibilidade do reconhecimento facial potencializar essas violências ao reproduzir os dados presentes no aparato penal.

Neste contexto, nota-se também a aquisição e o uso da tecnologia pelas Guardas Municipais em várias regiões do Brasil. Guardas Municipais, que são pela Constituição Federal e o Estatuto das Guardas Civis Municipais são forças de natureza civil com objetivo de proteção do patrimônio municipal e auxiliar as forças policiais das esferas estaduais e federais.

Um dos exemplos dessa tendência é a cidade de Laguna, em Santa Catarina, no qual a Guarda Municipal apresentou proposta de instalação de sistema de videomonitoramento para as Secretarias da Saúde e Educação, para o uso nas escolas, postos de saúde e áreas públicas em geral.3

Em São José/SP , o Centro de Segurança e Inteligência (CSI), operado pela Guarda Municipal, um espaço de referência para guardas municipais no sentido de modernização e desenvolvimento tecnológico das forças de segurança, recebendo a visita até mesmo de representantes da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo, com objetivo de replicar o sistema integrado existente, com câmeras de reconhecimento facial e leitura de placas de veículos.4

Salvador é um outro exemplo desse desenvolvimento, o que é marcante considerando o fato que o Estado da Bahia é um dos protagonistas da implantação de reconhecimento facial para a pauta da segurança pública e vigilância urbana, com o Projeto Vídeo-Policiamento existente na capital desde de novembro de 2018. Até o momento, o sistema, administrado pela Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, já prendeu 215 pessoas.

Nesse cenário, a Prefeitura de Salvador divulgou em Fevereiro de 2021 que está implantando no Centro Histórico, o Pelourinho, um sistema de videomonitoramento com capacidade de leitura de placas e reconhecimento facial. Um “Big Brother do bem”, como apelidou o secretário municipal de Cultura e Turismo, Fábio Mota. O sistema funcionaria através de portais com câmeras em pontos estratégicos do território e teria a Guarda Civil Municipal como responsável pela vigilância.5

Não há informações se o sistema seria integrado com o banco de dados utilizado pelas forças estaduais, mas o fato que essa possibilidade existe, explicita como tecnologias de reconhecimento facial possibilitam uma contínua conexão entre sistemas para potencializar a extensão do aparato de vigilância seja do Estado ou do setor privado.

O que esse uso pelas Guardas Municipais pelo país destaca é um papel cada vez maior dessas forças na pauta da segurança pública, cada vez mais próximas das polícias, seja na estética ou no maquinário que tem acesso, cada vez mais essas forças se confundem com o aparato policial. Uma questão que precisa ser discutida, especialmente quando se pensa no já mencionado papel das agências policiais nas violências e desigualdades da população negra.

[1] Relatório Sobre O Uso De Tecnologias De Reconhecimento Facial E Câmeras De Vigilância Pela Administração Pública No Brasil – LAPIN. Disponível em: https://lapin.org.br/2021/07/07/vigilancia-automatizada-uso-de-reconhecimento-facial-pela-administracao-publica-no-brasil/

[2] Uma indicação de leitura aqui é a dissertação de mestrado (e também livro) Corpo Negro Caído no Chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado Brasileiro.

[3] Disponível em: https://sulagora.com.br/seguranca/guarda-municipal-de-laguna-podera-ter-sistema-de-videomonitoramento-com-reconhecimento-facial-7409

[4] https://www.portalr3.com.br/2021/09/frota-eletrica-da-gcm-de-sao-jose-sera-replicada-em-sao-paulo/

[5] https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/bbb-no-pelo-prefeitura-vai-implantar-reconhecimento-facial-no-centro-historico/

Gostou deste artigo?

Compartilhe no Facebook
Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Linkedin
Compartilhe no Pinterest

sugestões de leitura

O Direito Fundamental à Proteção de Dados Pessoais à Luz da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

A proteção de dados pessoais tem origem no direito à privacidade, tema especificamente debatido na obra The Right to Privacy por Samuel Warren e Louis Brandeis, publicado em 1890 pela revista Harvard Law Review, a qual começou a delinear tal direito a partir de uma percepção do “direito de estar sozinho” (WARREN; BRANDEIS, 1890, p. 195). Esse conceito de direito à privacidade foi positivado no artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que consagrou o direito à vida privada. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) também bebeu dessa fonte e reconheceu tal direito no seu art. 5º, X.