Kayla Velasquez

O PL 2630/2020 e o combate à desinformação caminham juntos?

Por Eduarda Costa e Mariane Moreira

Kayla Velasquez
Kayla Velasquez (Unsplash)

A tentativa de regular a desinformação levou o Senado Federal a debater o tema por meio do Projeto de Lei (PL) nº 2630/2020, o chamado PL das Fake News, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.


Desde o início da tramitação do Projeto, plataformas digitais, verificadores de fatos e entidades da sociedade civil encabeçadas pela Coalizão Direitos na Rede se opuseram à falta de diálogo com setores interessados pelo Congresso [1]. Também criticaram abertamente algumas medidas previstas no PL que tendiam ao vigilantismo e à violação da privacidade e da liberdade de expressão, e deram voz à discussão sobre o conceito de Fake News e sobre as formas de combater a desinformação.
O que esses grupos chamaram atenção é que as questões que envolvem a desinformação são muito sensíveis para a sociedade, e muitas das medidas que têm sido buscadas pelas várias versões apresentadas do projeto de lei são frágeis e podem gerar prejuízos para direitos fundamentais. Por isso, o tema incita as mais variadas discussões no ambiente digital sobre qual seria a medida mais eficaz para combater a proliferação da desinformação.
No dia 25 de junho, o relator do PL, Senador Angelo Coronel (PSD/BA), apresentou texto substitutivo previsto para ser votado na sessão do dia 30 de junho, nesta terça-feira, no Senado Federal [2]. O relatório trouxe novos problemas que devem ser melhor discutidos pelos usuários da internet para que entendamos as consequências e implicações concretas do texto a ser votado pelo Senado para a web no Brasil. As principais questões são sobre identificação dos usuários e limitações para liberdade de expressão e privacidade.O relatório apresentado prevê formas de identificação dos usuários da internet em redes sociais e serviços de mensagerias privadas. Este ponto foi amplamente criticado na primeira versão do relatório, no entanto, o problema persiste [3] . Segundo a nova redação, as plataformas devem requerer que os usuários e responsáveis pelas contas confirmem sua identificação por meio de apresentação de documento de identidade válido quando houver qualquer denúncia sobre conta ou conteúdo publicado.


Se o PL for aprovado, os usuários serão obrigados a se identificarem pelo simples ato de terem conteúdo ou conta denunciada é medida desproporcional pelo fato de abrir margem para uma coleta massiva de dados pessoais a partir de qualquer denúncia feita, sem qualquer previsão de que a denúncia seja minimamente fundamentada. Assim, esse procedimento se mostra muito similar aos casos de identificação em massa, pois constitui-se um requisito genérico e amplo capaz de permitir que a maioria dos usuários tenha que comprovar sua identidade.


Além disso, o substitutivo afirma que, para a habilitação de qualquer chip de celular, será necessário vincular o chip com os seguintes dados pessoais: nome, endereço completo, número de identidade e número de registro no Cadastro de Pessoas Físicas. O substitutivo também cria obrigação para os órgãos governamentais e as operadoras de telefonia em manter esforços constantes para o controle da autenticidade e validade dos registros, inclusive quanto aos já existentes.


Dessa forma, o PL garante mais formas de identificação do usuário de forma injustificada e constante, o que viola a proteção de dados e os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) de necessidade, adequação e finalidade. Sendo compreendidos os princípios da necessidade pela limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades; de adequação compreendido pela compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular; e de finalidade pela realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular.
Ademais, é preciso recordar que o prazo para a vigência da LGPD foi prorrogado novamente em maio deste ano. A LGPD permitiria uma maior proteção aos usuários da internet sobre a coleta dos seus dados ao garantir maiores parâmetros de privacidade, segurança e transparência sobre como eles seriam tratados.
O Marco Civil da Internet (MCI) prevê algumas hipóteses para a derrubada de conteúdo e conta da Internet de forma imediata pelas plataformas de redes sociais e pelos serviços de comunicação interpessoal, e exclui a responsabilidade de plataformas por conteúdo de terceiros. No entanto, o substitutivo estipula que as plataformas têm o dever de excluir imediatamente conteúdos ou contas por prática de crime de ação penal pública incondicionada, mesmo que nenhuma ação tenha sido tomada no âmbito do Poder Judiciário, sob pena de sofrerem penalidades.
Assim, o texto do relatório institui nova forma de responsabilização de plataformas por conteúdo de terceiros, indo de encontro ao art. 19 do MCI e impondo um dever inusitado às plataformas: o de se tornarem instância interpretativa de o que é ou não crime. Tal cenário poderá levar a um aumento no número de contas e conteúdos derrubados por plataformas, já que, com receio de sanções, estas empresas terão preferência por, na dúvida, sempre derrubar conteúdo, mesmo que haja dúvida quanto à ilicitude.


É necessário mencionar que estas plataformas vêm ganhando importância como um local de expressão e organização política para aqueles que possuem acesso aos espaços digitais. Disso surge o receio de que essa medida contribua para a instalação de práticas de censura.
O Presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre, afirmou na sessão do dia 25 de junho que a votação do PL ocorrerá no dia 30, mas não será mais possível apresentação de quaisquer emendas ao texto apresentando [4]. Com isso, as formas de se opor ao texto apresentado pelo relator foram diminuídas e corremos o risco de votar um novo relatório do Senador Angelo Coronel com texto desconhecido e sem margem para modificação do texto.


Por fim, nota-se que as medidas propostas pelo PL das Fake News não atacam ou combatem diretamente o problema da desinformação. As previsões de transparência e educação digital são pequenas se comparadas ao objetivo geral de identificar os usuários da internet. Ainda, o PL apresenta um risco para os direitos fundamentais descritos na Constituição Federal, para os princípios da governança da internet evidenciados na Declaração de Princípios de Genebra apresentada pela Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação em 2003 e para os Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil [5].


Portanto, nós, usuários da internet, devemos nos opor ao relatório atual diante do erro de conceituação e da possibilidade de violação do direito de privacidade e de liberdade de expressão. Mais informações podem ser encontradas na nota pública da CDR [6].


[1] COSTA, Eduarda; MORAES, Thiago. Projeto de Lei n° 2630: combatendo a desinformação ou mitigando as liberdades dos internautas?

https://www.lapin.org.br/post/projeto-de-lei-n-2630-combatendo-a-desinforma%C3%A7%C3%A3o-ou-mitigando-as-liberdades-dos-internautas

[2] SENADO FEDERAL. Parecer sobre Projeto de Lei nº 2.630 de 2020 https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8126427&ts=1593261758595&disposition=inline

[3] CDR. Se o relatório for aprovado mudará a forma como o brasileiro usa a Internet. Veja a nota pública da Coalizão Direitos na Rede https://direitosnarede.org.br/2020/06/20/pl-das-fake-news-relatorio-estabelece-identificacao-e-criminalizacao-em-massa-de-usuarios.html

[4] SENADO FEDERAL. Sessão deliberativa remota – Lei das fake news – 25/06/2020 https://www.youtube.com/watch?v=a7XnUn2aS60

[5] Princípios para a governança e uso da internet https://principios.cgi.br/

[6] CDR. Nota da Coalizão Direitos na Rede sobre o adiamento da votação do PL 2.630/2020 http://plfakenews.direitosnarede.org.br/nota-da-coalizao-direitos-na-rede-sobre-o-adiamento-da-votacao-do-pl-2-630-2020/

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