Um breve panorama da Inteligência Artificial no Brasil

Thiago Moraes e Eduarda Costa

A Inteligência Artificial (IA) é uma tecnologia chave para a otimização de produtos e serviços nos mais diversos campos, aprimorando os processos de produção e o desenvolvimento de outras tecnologias. Sabe-se que a IA tem potencial para superar as limitações físicas do capital e do trabalho e para abrir novas fontes de valor e de crescimento aos diferentes países do mundo [1]. A implementação adequada dessa tecnologia é uma chance para os países da América Latina, como o Brasil, avançarem na promoção de produtividade, de inovação e de desenvolvimento sustentável, já que possibilita a criação de instrumentos úteis para a sociedade e para o meio ambiente. Ao mesmo tempo, os impactos dessa tecnologia em direitos e liberdades individuais e sociais devem ser considerados, pois a IA tem o potencial de trazer transformações profundas nos mais diversos setores, inclusive no trabalho, educação e saúde. Porém, antes de começar a desenvolver políticas públicas sobre IA, é necessário compreender em que ponto nosso país se encontra com relação ao desenvolvimento e uso dessa tecnologia. Por isso, este levantamento tem como objetivo apresentar uma breve visão do estado da arte da Inteligência Artificial no Brasil, comparado com outros países do globo.

Infelizmente, as observações preliminares não são positivas. De acordo com o relatório de Stanford, que dá pontuações de 0 a 100 para países tendo em consideração – Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), Economia e Inclusão -, o Brasil possui baixos escores nas três categorias, ainda quando comparados com países de renda média, como seus vizinhos latino-americanos (ver fig. 1) [2]. O estudo revela uma queda do Brasil no escore geral com relação a anos anteriores, apontando que o país está ficando para trás, quando comparado aos outros países (fig. 2).

Fig 1: Pontuações do Brasil (em verde) comparado com a média de outros países de média renda (em amarelo). Fonte: AI Global Vibrancy, Stanford.
Fig 2: Pontuações gerais do Brasil no AI Index para os anos de 2015 a 2018. Fonte: AI Global Vibrancy, Stanford.

Quando questões de pesquisa e desenvolvimento são analisadas, nota-se que o atual investimento do Brasil neste setor é irrisório: não há publicação de patentes, enquanto publicações em revistas acadêmicas, e conferências são mínimas fazendo com que o país tenha obtido pontuações abaixo de 10 nessas categorias [3]. Entre 2015 e 2018, a média anual de publicação per capita no Brasil foi de 2 artigos para cada 1 milhão de pessoas, resultando em uma produção total de quase 2 mil artigos nesse período. Em comparação, a China obteve uma produtividade de mais de 6 artigos anuais per capita (por 1 milhão), resultando em um total de mais de 33 mil artigos. Por sua vez, os EUA, teve produtividade de 23 artigos per capita, com um total de 56 mil artigos publicados nesse período [4].

O único mérito do Brasil neste setor é no quesito de diversidade de gênero, em que se observa um crescimento de 18% de mulheres na autoria de pesquisas em IA, entre 2000 e 2018. Contudo, o número ainda está longe de garantir o equilíbrio necessário para uma adequada paridade de gênero: apenas 24% das pesquisas em IA no Brasil possuem ao menos uma autora. Em contraste, a Holanda possui autoras em 41% de suas publicações sobre IA [5]. Nos rankings globais, a diversidade cisgênero em IA ainda é um desafio a ser superado, e o percentual de doutoras em IA permaneceu em 20%, entre 2010 e 2018 [6].

No quesito econômico, o Brasil apresenta alguns contrastes. O país lidera o ranking na busca por profissionais qualificados em IA, mas apresenta baixo nível de capacitação profissional na área e não se observa nenhum investimento relevante. Isto gera uma terrível cacofonia: há uma alta demanda de profissionais com habilidades de desenvolver/operar IA, mas baixíssima oferta de especialistas. Entre 2018-2019, o mercado brasileiro buscou 3x mais profissionais com qualificações em IA, quando comparado com a média de 2015-2016. O crescimento na demanda por estes profissionais é liderado por Singapura, Brasil, Austrália, Canadá e Índia [7].

O investimento em startups de IA global em 2018 totalizou US$ 40.4 Bi, em contraste com apenas US$ 1.3 Bi, em 2010. Líderes em investimento privado são EUA, com mais de US$ 37 bi investidos entre janeiro de 2018 e outubro de 2019, seguido da China, com investimento de US$ 25 bi. No Brasil, o total de investimentos em IA sequer alcança a casa dos milhões [8].

Um estudo de 2018 sobre investimento em startups de IA, conduzido pelas instituições Rolland Berger e Asgard, revelou que, em 2018 os polos de startups eram os EUA, com 1.393 casos, seguida da China com 383, e Israel com 363 [9]. À época, o Brasil figurava com apenas 23 startups de IA. O estudo da Oxford Insights revela que, em 2019 esse número cresceu para 160 startups no Brasil, os EUA já contava com 5053 startups e o Reino Unido com 1028 [10]. De acordo com a Tracxn, em abril de 2020, o Brasil contava com 217 startups de IA [11].

Sobre investimento em IA no Brasil, um dos maiores campos de investimento é na área de reconhecimento facial, muitas vezes voltados para fins de segurança pública, uma das áreas mais sensíveis e polêmicas de aplicação dessa tecnologia [12]. Para ilustrar, as maiores empresas de tecnologia IBM, Microsoft e Amazon suspenderam a oferta da tecnologia de reconhecimento facial para fins de segurança pública devido os elevados riscos de discriminação [13].

Em um índice produzido pelo instituto Oxford Insights [14], ranqueando 197 países de acordo com quão preparados seus governos estão para se beneficiar da IA na operação e oferta de serviços públicos, o Brasil alcançou a 40º colocação. Conforme este estudo, a região da América Latina possui três principais desafios para garantir a aplicação de IA para o bem comum: políticas públicas, capacidade e recursos. A importância de uma regulação robusta de proteção de dados também foi destacado como elemento importante para o uso efetivo e ético da IA.

Por fim, esse mesmo estudo alertou que qualquer investimento em IA deve ser exercido com extremo cuidado, levando em consideração questões éticas e de segurança. Isso se explica porque se esses cuidados não forem tomados, a aplicação de sistemas de IA, muito provavelmente, resultará em discriminação e injustiças. A IA está sendo rapidamente integrada aos principais domínios sociais, fazendo determinações e escolhendo quem recebe recursos e oportunidades e quem não [15]. Casos reais já mostraram a falta de objetividade e de imparcialidade nas aplicações da IA [16].

Nesse aspecto, os três riscos mais recorrentes são: o viés algorítmico, a falta de diversidade de atores e a falta de transparência em decisões automatizadas que resultam em verdadeiras “caixas-pretas”. Desenvolver tecnologias de IA sem o mínimo cuidado no processamento de dados cria situação ainda mais prejudicial para as pessoas, visto que aspectos da vida pessoal serão determinadas por uma máquina sem explicação das motivações para uma decisão, como conseguir crédito em um banco ou ter acesso a um tipo de conteúdo nas redes sociais.

Diante do exposto, o Brasil ainda tem muito o que avançar na pesquisa e aplicação de tecnologias de IA, esse aspecto é fundamental para o desenvolvimento do nosso país e para melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. No entanto, apenas investir na pesquisa para desenvolvimento tecnológico não se mostra mais suficiente para os novos desafios postos na atualidade tendo em vista os riscos concretos da má utilização dos sistemas de IA. Um caminho para promover o desenvolvimento de forma responsável e corrermos atrás do tempo perdido é observar as boas práticas e as boas estratégias regulatórias já trilhadas por outros países. Portanto, para que haja desenvolvimento econômico, é imprescindível investimentos na área de pesquisa, desenvolvimento e inovação Além disso, deve-se observar os impactos do uso da tecnologia na sociedade e garantir a efetivação dos direitos fundamentais, tanto os individuais, como privacidade, proteção de dados e liberdade de expressão, quanto os sociais, como trabalho, saúde, educação.

Thiago Moraes é Pesquisador Sênior do LAPIN

Eduarda Costa é Pesquisadora do LAPIN

[1] OVANESSOFF, Armen; Plastino, Eduardo. How Artificial Intelligence can drive South America’s growth. 2017. Disponível em: https://www.accenture.com/_acnmedia/pdf-49/accenture-how-artificial-intelligence-can-drive-south-americas-growth.pdf. Acesso em: 3 jul. 2020.

[2] PERRAULT, Raymond, et al. The AI Index 2019 Annual Report. 2019. Disponível em: https://hai.stanford.edu/sites/default/files/ai_index_2019_report.pdf. Acesso em 3 jul. 2020.

[3] Ibid. p. 24.

[4] Ibid. p. 25.

[5] Ibid. p. 34.

[6] Ibid. p. 122.

[7] Ibid. p. 73.

[8] Ibid. p. 89.

[9] ROLAND BERGER GMBH. Artificial Intelligence – A strategy for European startups. 2018. Disponível em: https://www.rolandberger.com/publications/publication_pdf/roland_berger_ai_strategy_for_european_startups.pdf. Acesso em 3 jul. 2020.

[10] MILLER, Hannah; STIRLING, Richard. Government Artificial Intelligence Readiness Index 2019. 2019. Disponível em: https://www.oxfordinsights.com/ai-readiness2019. Acesso em 3 jul. 2020.

[11] TRACXN. Artificial Intelligence Startups in Brazil. 2020. Disponível em: https://tracxn.com/explore/Artificial-Intelligence-Startups-in-Brazil. Acesso em 3 jul. 2020

[12] PERRAULT, Raymond, et al. The AI Index 2019 Annual Report. 2019. Disponível em: https://hai.stanford.edu/sites/default/files/ai_index_2019_report.pdf. Acesso em 3 jul. 2020. p. 165.

[13] FAVERIN, Victor. IBM, Microsoft e Amazon suspendem oferta de reconhecimento facial para a polícia. 2020. Disponível em: https://revistasecurity.com.br/ibm-microsoft-e-amazon-suspendem-oferta-de-reconhecimento-facial-para-a-policia/. Acesso em 3 jul. 2020

[14] MILLER, Hannah; STIRLING, Richard. Government Artificial Intelligence Readiness Index 2019. 2019. Disponível em: https://www.oxfordinsights.com/ai-readiness2019. Acesso em 3 jul. 2020.

[15] ALANDETE, David. O problema é que damos todo o poder para plataformas como Google e Facebook. El País, 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/19/cultura/1497900552_320878.html>. Acesso em: 12 mai. 2020.

[16] HALFELD, Emanuella. Por que a ciência precisa falar mais sobre ética? Um estudo do caso COMPAS e análise da existência de machine bias em decisões automatizadas. 2020. Disponível em: https://irisbh.com.br/por-que-a-ciencia-precisa-falar-mais-sobre-etica-uma-estudo-do-caso-compas-e-analise-da-existencia-de-machine-bias-em-decisoes-automatizadas/. Acesso em: 3 jun. 2020.

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